Importações de leite barato penalizam produção nacional

A quebra dos preços do leite na produção está a deixar os produtores de leite numa situação complicada. Depois da campanha 2007/2008, em que a falta de no mercado mundial fez disparar os preços, a crise económica, o aumento das quotas leiteiras na União Europeia e, sobretudo, a importação de leite barato para as marcas da grande distribuição estão a pressionar o sector.

Entre 31 e 33 cêntimos. Estes são os actuais preços médios do litro de leite pago à produção. No limiar da rentabilidade para uns, e abaixo do preço de custo para outros, os valores do leite estão a deixar a generalidade dos produtores em séries dificuldades, dependendo da dimensão, tipo de animais, grau de endividamento e modo de produção de cada exploração.

É uma ‘aterragem forçada’, depois da campanha 2007/2008, em que a falta de leite no mercado mundial levou à subida de cotações que chegaram aos 44 cêntimos em Portugal. Uma situação ‘anormal’, motivada pelas condições climatéricas adversas e más colheitas a nível mundial e que foi revertida em poucos meses, culminado na actual situação.

Esta dificuldade generalizada tem uma causa conhecida: o excesso de leite no mercado. Não porque exista uma sobreprodução, mas sim porque há dificuldades no escoamento: “Os níveis de produção estão estáveis, nos níveis normais. Há mais leite do que havia há um ano porque em 2008 estávamos em défice, mas a actual produção esta dentro da normalidade, aliás vamos fechar a campanha longe de atingir a quota”, explicou Fernando Cardoso, secretário-geral da FENALAC, que acrescenta que o grande problema é a quebra do consumo e a procura de leite barato devido à crise económica generalizada.

Maus sinais
O aumento das quotas leiteiras em 2 por cento na União Europeia, uma medida de Bruxelas para combater a alta de preços em 2008, acabou por ter reflexos nesta fase de contra-ciclo e também não ajudou a este cenário. Mas é a fraca procura que esta a provocar a depressão de preços. Em Portugal, os números que circulam para provocar uma forte pressão sobre a grande distribuição que, por seu lado, pressiona a industria leiteira e por arrastamento os produtores: “Como a procura é fraca, e há que vender a baixo custo, é mais fácil importar leite para as marcas brancas da distribuição”, avança Fernando Cardoso.

E os números são claros. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, as importações de leite nos últimos meses aumentaram 50 por cento. Ou seja, estamos a comprara fora 250 milhões de litros de leite quando habitualmente importávamos apenas cerca 125 milhões. Isto para um consumo interno de 900 milhões de litros anuais. Este leite não entra no país com marca comercial, e é importado para as marcas próprias da distribuição, marcas estas que já representam cerca de 30 por cento do leite vendido em Portugal.

A proveniência é diversa: Espanha, França, Alemanha e Polónia a preços que rondam os 24 a 25 cêntimos. “As marcas brancas estão a crescer bastante e os números revelam que o aumento da importação está directamente relacionado com o crescimento destas marcas de distribuição”, acrescenta. O resultado de tudo isto é o esmagamento das margens dos produtores e a necessidade de secar leite ao abrigo do mecanismo das ajudas à intervenção. Ainda assim, “produzir leite em pó é perder dinheiro”, refere.

Mais fiscalização
Com dificuldades no escoamento, a produção já tem promessas de apoios ao investimento para dinamizar o sector. Os famosos 20 milhões do Plano de Apoio ao sector não estão a entusiasmar muito os produtores: “desde 2007 que o Proder está activo mas representa zero para os produtores. O leite não é considerado uma fileira estratégica e não há projectos aprovados. Mas quero acreditar que isso vai acontecer”, remata Fernando Cardoso.

Apesar de defender que não se devem fechar fronteiras e criar mercados isolados, o sector produtivo reclama regras de funcionamento para a fileira. Com a distribuição a pressionar as margens de lucro, os produtores leiteiros gostariam de ver maior dinamismo por parte da Autoridade da Concorrência fiscalização do funcionamento das regras comerciais, em especial na forma como a distribuição lida com os fornecedores: “A distribuição tem um poder brutal, e os grandes operadores têm de colocar leite em todas as cadeias de grande distribuição, sob pena de baixar vendas. Mas neste momento, o que estão a dizer é ‘as condições são estas, aceitam ou não?’, revela o secretário-geral da Fenalac.

À espera que a crise passe
Enquanto a situação económica se mantiver, dificilmente haverá aumento de preços. Nos próximos meses prevê-se alguma estabilidade de preços e de quantidade produzida, mas será a economia real a ditar as regras. Mas até a crise passar, muitos produtores estão a ficar sem opções e há mesmo operadores que estão a deixar se recolher leite. Em Portugal há notícias de duas situações concretas na Beira Interior, mas a situação mais grave está a acontecer em Espanha, com a industria a entrar em colapso e a deixar de recolher leite nas explorações.

“As dificuldades são reais e percebemos que o problema está em cadeia: o consumidor pressiona a distribuição que pressiona a industria que pressiona o produtor. Estas crises acabam sempre por provocar o desaparecimento de alguns produtores”, avisa Fernando Cardoso. O facto é que a concentração da produção é uma realidade inquestionável: há 10 anos atrás existiam 30.000 produtores quando actualmente produzem pouco mais de 11.000.

Ainda, assim, medidas como o resgate de quotas em pequenas explorações ou de produtores de idade avançada são bem-vindas: “Qualquer acção que possa reduzir a oferta á bem-vinda, porque não me parece que venha a existir uma situação de défice de leite nos próximos tempos”, conclui este dirigente que apela ainda a uma maior sensibilidade para a questão do licenciamento, “uma vez que os encargos administrativos e burocráticos são consideráveis e era importante que fossem aliviados”.

Indústria queixa-se de desequilíbrio
Os industriais de lacticínios reconhecem que é difícil fazer previsões e que actual situação vai exigir um grande esforço por parte da produção, com quebras de margem reais. “Mas penso que a reacção natural a tudo isto será uma baixa na produção, e entraremos novamente num ciclo de subida de preços”, refere Pedro Pimentel, secretário-geral da ANIL.

O representante da indústria esclarece que a baixa de preços é uma resposta inevitável ao mercado, dado o volume de excedentes, mas aponta também p dedo à importação de leite estrangeiro, mais barato. “Mais de 55 por cento do consumo nacional refere-se a leite UHT. As vendas neste segmento mantiveram-se, mas deixou de ser de leite nacional para passar a ser estrangeiro. È por isso que estamos com excedentes” esclarece.

Face a esta situação, há apenas duas soluções: produzir para exportar, “o que não é nossa vocação”, defende, ou canalizar o leite excedentário para outros produtos menos valorizados comercialmente, caso do leite em pó, queijos e outros lacticínios.

Pedro Pimentel reconhece que a grande distribuição “não está a cometer nenhum crime. Podemos discordar desta opção, mas é uma estratégia. Acontece que tudo isto tem consequências na fileira completa, e pensamos que deviam ser mais solidários”. E confirma o número que faz toda a diferença no equilíbrio da balança: “as marcas brancas ganharam 10 por cento de quota num ano!”.

Quanto aos operadores que estão a deixar de recolher leite, Pedro Pimentel acredita que em Portugal a situação é relativamente tranquila ao contrário de Espanha. Para além disso, em Portugal ainda não são conhecidos problemas de falta de pagamento do leite, apesar de algumas cadeias de distribuição terem informado os fornecedores que teriam de esticar os prazos de pagamento. Uma noticia que também motivou o prolongamento de atrasos no pagamento de leite aos produtores por parte da industria.

Abandono preocupa
A juntar à crise de mercado, as regras de licenciamento das explorações leiteiras e a destruição do sistema de quotas são penalizadores e um convite ao abandono. Para a indústria, a redução drástica de produtores pode causar graves problemas de abastecimento: “A indústria necessita de leite, não temos interesse que as explorações fechem, mas o elástico tanto estica que algum ia parte e vai fazer mossa’, refere Pedro Pimentel.

O secretário geral da ANIL insiste no grande desequilíbrio do poder negocial: “a prática revela que quando o ano é mau para o distribuidor é muito maus para o produtor. Mas não se entende que eles apresentem lucros fantásticos, quando a industria e a produção estão em dificuldades. Não queremos transformar o Estado em operador de supermercados, mas o poder político deve regular e fiscalizar estas práticas”, defende.

Fonte: Anil

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